Museu da Corrupção - MuCo

A corrupção como nunca se viu

O Diário do Comércio inaugura o Museu da Corrupção on-line, para dar aos seus leitores uma medida referencial do que acontece de vergonhoso nos bastidores de todas as esferas de poder.

Por Luiz Octavio de Lima

No dia em que se comemoram os 509 anos do descobrimento do Brasil e em que a farra das passagens aéreas no Congresso ganha as manchetes do noticiário, o Diário do Comércio inaugura o seu Museu da Corrupção on-line, um espaço de exibição e reflexão sobre os escândalos que marcaram a história do País. Num primeiro momento, o site vai tratar do período entre a década de 1970 e os dias atuais. A proposta, porém, é recuar década a década, século a século, até os tempos coloniais. Afinal, não seria exagero afirmar que a corrupção nasceu quase em seguida ao descobrimento.

Em meados do século XVI, na Bahia do primeiro governador-geral, Tomé de Souza, já se roubava muito, conforme atestam os relatos da época. O próprio Padre Antônio Vieira escreveu um sermão intitulado 'Sermão do Toma", no qual atacava as autoridades locais que desviavam verbas dos cofres públicos e "tomavam" propinas. No tempo de D. João VI, o tesoureiro Targini tinha fama de desonesto e de ter enriquecido no cargo. Dele disse o fundador do jornalismo brasileiro, Hipólito da Costa (1774-1823), que, "sem outros bens mais que o seu minguado salário, tornara-se tesoureiro-mor do Erário, fora elevado a Barão de São Lourenço, em 1811, e era agora um homem riquíssimo, enquanto o erário se achava pobre". E completou: "Se a habilidade de um indivíduo em aumentar suas riquezas fosse por si só bastante para qualificar alguém a ser administrador das finanças de um reino, sem dúvida Targini devia reputar-se um excelente financista". Temos, portanto, longa tradição neste ramo, e dedicar um "espaço cultural" ao vasto acervo existente sobre o tema é uma iniciativa que já chega com atraso.

Pensado como um trabalho em permanente construção, o Museu da Corrupção on-line, cuja pesquisa inicial é da jornalista Kássia Caldeira, dará destaque, em sua versão inaugural, aos 15 episódios mais rumorosos dos últimos anos no País. Entre eles, a Operação Satiagraha, a Máfia das Sanguessugas, o Escândalo do Mensalão, o caso do TRT de São Paulo (do juiz Nicolau "Lalau" dos Santos Neto), a Operação Anaconda e o incidente dos dólares na cueca. A cada um será destinada uma "sala" com um relato, imagens e uma lista de reportagens que mostram a repercussão na grande imprensa.

O usuário do site do DC poderá encontrar na área a relação completa dos escândalos ocorridos desde o início da década de 1970 e de grande parte das operações realizadas pela Polícia Federal no período.

Haverá uma seção com sugestões de links sobre o tema da corrupção e outra com publicações recomendadas sobre o assunto. Nos próximos meses, serão agregadas uma "sala" de charges, uma linha do tempo ilustrada e destaque para o escândalo do momento.

O tour pelo Museu termina na lojinha da "instituição", onde o visitante encontrará lembranças como camisetas, algemas, aparelhos de escuta, malas pretas e até propinas virtuais.

Está em estudo a criação de um Wiki por meio do qual os leitores poderão enviar informações e contribuições. Desde já, no entanto, eles poderão comentar o conteúdo pelo endereço museu@dcomercio.com.brÉ um museu. Com grandes novidades.

Com um lápis na mão e muitas ideias na cabeça o premiado arquiteto mineiro Rodrigo de Araújo Moreira "ergue" o Museu da Corrupção sob o princípio da contemporaneidade: dotado de muitas salas e auditórios, o espaço virtual será permanentemente abastecido com os fatos do dia.

Por Valdir Sanches

Um arquiteto que só trabalha com lápis pode criar um edifício virtual? Rodrigo de Araújo Moreira aceitou o desafio, mas, de certa forma, isso foi o de menos. O mais difícil era a natureza do edifício: um museu da corrupção.

Como se concebe uma obra dessas?

"Um projeto é feito em cima de um programa, de um terreno" – diz o premiado arquiteto mineiro de 78 anos. "Eu não tinha programa, não tinha terreno e tinha uma idéia vaga – não dispunha de dimensões, de tamanho. Bom, pensei, vou fazer, completamente livre. Na verdade foi isso que me animou a fazer, porque eu sou a favor da liberdade total".

Durante dois ou três meses as idéias vagaram por sua mente. Há menos de duas semanas surgiu em Belo Horizonte (onde tem escritório, embora more em Petrópolis, RJ) com um desenho. Passou-o para "um grupo de garotos da escola de arquitetura, turma novíssima" – que, naturalmente, usa o computador. Pediu ajuda.

O projeto saiu "meio de repente". "Fiz um desenho do que seria o corte estrutural do edifício: a pirâmide em que uma das arestas foi colocada na vertical e deu uma forma muito bonita". Os estudantes pintaram de verde uma parede de seu apartamento, e lançaram nela o desenho. "Quando eu vi aquilo, eu falei: 'Espera aí, tem um negócio maravilhoso aqui'. Eu vi o prédio pronto!"

Rodrigo projetou um prédio de verdade, que poderia ser erguido com estrutura metálica e vidro – mas, como se viu, existe apenas na internet. A fachada tem um triângulo com uma estrutura espacial igual à do Museu do Louvre, de Paris. "Repeti a idéia, achei que era boa". "Criei uma pirâmide com uma parte virtualmente transparente. Tem vidro nas duas faces, e a face da frente se repete atrás. Essa é a parte em que a corrupção parece bonita, transparente".

O prédio tem também uma parte cega – em que tudo é parede. "É toda uma parede dos fundos, com aquele triângulo inclinado e a torre, toda aquela parte alta é cega. Se fizer as contas, a parte cega é maior que a transparente. Quem passar pelo lado de lá vai achar que aquilo tudo está oculto". Esse é o lado oculto da corrupção.

Rodrigo diz que estas são conjunturas, cada pessoa que passar por lá terá a sua. "Estou fazendo uma interpretação. Não desenhei o projeto pensando nisso, minha intenção foi criar um prédio que tivesse muita visibilidade e marcasse o tema de uma forma diferente". Diz que, na verdade, não conhece nenhum prédio com essa forma.
À mão livre: a partir de um desenho básico inspirado no Museu do Louvre, em Paris, Rodrigo (à direita) desenvolveu o projeto com alunos de arquitetura. O auditório (no alto à direita) e a fachada (abaixo): jogo de sombras e transparências para da destaque aos dois lados da corrupção.

O projeto é "basicamente simples". Uma enorme pirâmide triangular com 40 cm de base em cada face, e 60 metros de altura. Uma das arestas, como se viu, fica na posição vertical. É para acentuar a grandeza do monumento. "A intenção é transformá-lo em um marco permanente de denúncia com grande visibilidade, no qual a pureza da forma contraste fortemente com a essência do tema".

A parte de cima é vazia, porque a área é muito pequena. "Parece uma catedral. O que tem uma catedral? Tem a nave, em cima tem o sino, as torres, não tem ocupação nenhuma. A idéia é mais ou menos essa". O térreo foi ocupado com dois mezaninos. O auditório está no subsolo, porque há uma ligação, perto da entrada, "fácil, bonita, e independente".

Quem entrar no prédio, o que verá? "Eu acredito que funcione bem fazendo como se fossem bancadas, ou nichos, ou paredes. Elas organizam o espaço, dando liberdade a cada grupo, ou a cada pessoa, de tratar do seu assunto. Eu tenho o meu computador, o controle, um fone. Ali eu clico o que eu quero, eu vejo as imagens que eu quero. Mas tem vários nichos desses, iguais. Cada um funciona com completa liberdade, independente dos outros".

Há também pequenos auditórios, pequenas salas. "Você faz esses espaços, e usa a imagem virtual dentro desses espaços. Podem ser circulares, retangulares, quadrados, onde sentam-se duas, três, quatro pessoas. E aparece uma tela que conta uma história e talvez você possa até fazer pergunta", explica Rodrigo.

"Imagine uma concha. Você faz aquela circunferência com uma porta de correr, você entrou, fechou, você está ali dentro, não é perturbado, porque aquilo é isolado. Você tem a imagem e então clica. Quer um assunto, mensalão. Aí vão falar tudo sobre o mensalão, com fotografias, com imagens. Com reportagens, com o impacto de ver aquelas cenas de televisão. Aí transforma aquilo num filme, é um documentário".

Rodrigo usou uma grande escultura de terracota que mostra quatro corpos decapitados, sem braços e sem um pedaço de perna. Eles estão entrelaçados e empilhados. O memorial descritivo da obra diz que a escultura foi escolhida "como marco indelével do monumento, evocando a imagem grotesca do povo pobre e dilacerado". "O conjunto pousa sobre um grande espelho d'água que duplica a imagem já monumental da obra".

Na perspectiva do prédio, desenhada por Rodrigo, a escultura é representada por esferas sobrepostas.


'Ousai!' E foi o que ele fez
A recomendação de Juscelino Kubitschek, paraninfo da turma, ficou marcada, diz Rodrigo.

Rodrigo de Araújo Moreira estava no quinto ano da Faculdade de Arquitetura, em Belo Horizonte, quando tomou sua primeira decisão como profissional: concorreu à construção da sede da Faculdade de Direito da Bahia, em Salvador. Convidou um colega. Este não gostou da idéia, achou que teriam poucas chances de sucesso. "Mas eu, jovem, mineiro teimoso, disse que íamos fazer".

Foi em 1957, mesmo ano em que se formaram. O projeto pegou o primeiro lugar, a faculdade foi construída, e está lá, para quem quiser ver. É uma das dez obras premiadas em primeiro lugar, em concursos dos quais Rodrigo participou.

Seguir os estudos de arquiteto "foi uma briga muito grande com meu pai", recorda hoje. "Ele não compreendia a profissão". João Carlos, o pai, era cirurgião dentista no Hospital Militar de Belo Horizonte. Um de seus colegas, muito amigo, era um médico do hospital chamado Juscelino Kubitschek.

O curso de arquitetura, na turma de Rodrigo, tinha apenas nove estudantes. No primeiro exame vestibular, só três entre 156 candidatos foram aprovados. Houve uma segunda chamada, e mais três passaram - um deles Rodrigo. Com outros três retardatários, somaram nove. Os alunos admiravam o conterrâneo que, no ano da formatura, ocupava a Presidência da República, o médico Juscelino Kubitschek. Que tal se ele fosse o paraninfo da turma?

Rodrigo foi ao Palácio da Liberdade, sede do governo do Estado, falar com o sobrinho de um político de grande projeção, Israel Pinheiro. Israel presidia a Novacap, a estatal que construía Brasília. Entrou no palácio, e apresentou-se ao tal sobrinho, como conta: "Eu gostaria de convidar o presidente para ser nosso paraninfo". Ainda hoje se espanta: "Você acredita que ele veio?"

Foi, e fez um discurso "muito bonito". Depois entregaria aos formandos o diploma. Os pais dariam o anel de formatura. "Quando veio me dar o diploma, meu pai levantou lá na platéia. E o Juscelino disse: 'Uai, mas você é o filho do João Carlos'? Foi uma coisa boa, a confraternização dele com meu pai lá no palco".

No discurso, o presidente disse que iria dar só um conselho para os formandos: "Ousai". "Isso ficou na minha cabeça. Quando a gente participa de um concurso, não tem nenhum compromisso com ninguém. Tem apenas um programa e uma idéia da cabeça, joga aquilo na prancheta e (rindo) às vezes dá certo".

Rodrigo teve um estagiário, Adalberto Alves de Souza, que se tornaria seu sócio e amigo, e com quem trabalharia por quarenta anos. "Era um parceiro maravilhoso". Faziam seus projetos, apesar de um detalhe. Rodrigo casara com uma moça de Petrópolis, a cidade serrana do Rio de Janeiro. E mudara-se para lá. O escritório continuava em Belo Horizonte.
"Naquele tempo não tinha fax, não tinha nada. Fizemos muito projeto por telefone. Ou então mandava um croqui pelo ônibus". Mas sempre que um novo projeto se firmava, Rodrigo ia ao escritório, no Rio. Em 1969, criaram o escritório de arquitetura AJR, com um terceiro sócio, Jairo Fernandes (mais tarde Metro Arquitetura e Planejamento). Mas até hoje Rodrigo mora em Petrópolis.

Diz que sofreu influência das obras de Oscar Niemeyer em Belo Horizonte. A mais notável delas é o conjunto arquitetônico no entorno da Lagoa da Pampulha, com a igreja, o museu de arte e o Iate Tênis Clube. Rodrigo cita também como obras que o influenciaram as da cidade histórica de Ouro Preto.

Entre obras que receberam o primeiro lugar em concursos, destaca o escritório da Usiminas, em Itabira, 104 quilômetros de Belo Horizonte (a "Cidade de Ferro", onde a então Companhia Vale do Rio Doce surgiu). O escritório tem dez mil metros quadrados. Entre as obras prediletas, cita a sede do Clube de Regatas Vasco da Gama, em Santos. Sedes social, náutica e campestre erguidas em 27 mil metros quadrados.

Outra é a sede do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, CREA, em São Paulo. "Foi bastante criatividade. Imaginamos um grande pórtico, e os pavimentos intermediários eram suspensos nesse pórtico. Isso foi usado por Niemeyer em alguns projetos em Brasília. Uma estrutura de concreto muito grande, muito alta, com balanços grandes. Toda a base é livre de pilotis. Dá muita visibilidade".

Uma das qualidades de Rodrigo é o prazer de criar. "Dizem que quem faz o que gosta não precisa trabalhar".